
Hoje sabemos que a afetividade exerce um papel importantíssimo em todas as relações, além de influenciar decisivamente a percepção, o sentimento, a memória, a autoestima, o pensamento, a vontade e as ações, e ser, assim, um componente essencial da harmonia e do equilíbrio da personalidade humana.
Todos somos permeados por memórias afetivas que afetam nossas decisões. Quem nunca lembrou daquela comida específica que só a avó fazia nos almoços de família e sentiu o coração aquecido? Ou pegou alguma roupa de infância de um filho, que hoje é adulto, e se lembrou de todo o percurso que ele teve?
Se o afeto tem um papel tão extraordinário na vida de um ser humano adulto, seu impacto na vida das crianças é imensamente maior, visando sua fragilidade, tanto física como psíquica.
O senso comum sabe que há um inegável vínculo da mãe com seu bebê, que é descrito como “amor de mãe”, no entanto, em um âmbito mais científico, a psicologia do desenvolvimento infantil buscou explicar a importância do primeiro ano de vida no desenvolvimento de uma criança. O bebê humano, diferente dos filhotes de outras espécies, nasce completamente dependente de cuidados de um adulto (filhotes de diferentes espécies por exemplo já nascem andando sem precisarem de ajuda). Essa dependência tem uma função evolutiva e instaura a necessidade do afeto e do vínculo da criança com sua mãe ou cuidador principal.
John Bowlby desenvolveu a teoria do apego que considera que o apego é decorrente de um programa inato presente em todos os primatas e que tem por função aumentar as chances de proteção e de sobrevivência do recém-nascido. Essa proteção baseia-se essencialmente na proximidade física e no contato entre mãe (ou a figura que ocupe essa função materna) e bebê nos primeiros anos de vida. Se esse esquema de proteção- cuja base é o apego, ou vínculo- não se desenvolve bem, graus variados de distúrbios psíquicos e mesmo físicos podem advir. A característica principal das crianças que sofreram carência ou privação nesse vínculo primordial, é de ter uma capacidade muito reduzida de respostas adequadas, tanto no plano social quanto no plano emocional.
Outro teórico, René Spitz, trabalhando em um orfanato, observou que os bebês que eram alimentados e vestidos, mas não recebiam afeto, nem eram segurados no colo ou embalados, apresentavam a síndrome por ele denominada hospitalismo. Esses bebês tinham dificuldades no seu desenvolvimento físico, faltava-lhes apetite, não ganhavam peso e, com o tempo, perdiam o interesse por se relacionar, o que levava a maioria dos bebês ao óbito. Portanto, chegou-se a conclusão que o afeto é fator determinante no desenvolvimento.
Em estudos longitudinais constatou-se que: “crianças que cometeram diversos crimes, que pareciam não ter nenhum sentimento por ninguém e com as quais eram muito difícil lidar, tinham tido um relacionamento profundamente perturbado com a mãe nos primeiros anos de vida.
É necessário esclarecer que as crianças que não tem mãe, não estão condenadas a um fim terrível, a palavra “mãe” é utilizada para facilidade, porém qualquer pessoa que ocupe essa “função materna” poderá suprir os percalços do desenvolvimento, basta que faça com afeto, grande temática do nosso artigo de hoje.
Na nossa discussão do afeto adentramos a desenvolvimento infantil, para compreender o início das vinculações afetivas. Crianças viram adultos e dependendo de como se desenvolveram se tornam mais ou menos saudáveis.
Para que se desenvolvam de forma saudável é preciso um vínculo afetivo de qualidade com o adulto cuidador. Essa criança poderá explorar o mundo e confiar que terá ajuda desse adulto se precisar.
Fica evidente então a repercussão do afeto nas relações humanas, o que evoca a reflexão: Como podemos contribuir para que o nosso cotidiano seja mais rodeado de afeto positivo?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOWLBY, John. Formação e rompimento dos laços afetivos. São Paulo: Martins Fontes, 1982.
LOOS, Helga; SANT’ANA, René Simonato. Cognição, afeto e desenvolvimento humano: a emoção de viver e a razão de existir. Educ. rev., Curitiba , n. 30, p. 165-182, 2007 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40602007000200011&lng=en&nrm=iso>. access on 21 Oct. 2019. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-40602007000200011.
Lopes, Maria Madalena de Freitas. Psicanálise e Representação: a teoria de René Spitz e a organização psíquica. Brazilian Journal of Health, Vol. 1, No 3 (1)
Spitz R 1945.Hospitalism: an inquiry into the genesis of psychiatric conditions in early childhood (1):53-75. Psychoanal Study Child. Imago, Londres.