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Por Camila Mazzanti

Sonhar é uma experiência humana universal, valorizada e estudada desde o início dos tempos e reestruturou-se de diversas maneiras conforme os séculos passavam. Na antiguidade, atribuia-se ao sonho caráter profético e premonitório, dado como exemplo o sonho do Faraó que prevê a fome no egito, descrito na Gênesis.

“Então o faraó contou o sonho a José: “Sonhei que estava em pé, à beira do Nilo,  quando saíram do rio sete vacas, belas e gordas, que começaram a pastar entre os juncos. Depois saíram outras sete, raquíticas, muito feias e magras. Nunca vi vacas tão feias em toda a terra do Egito. As vacas magras e feias comeram as sete vacas gordas que tinham aparecido primeiro. Mesmo depois de havê-las comido, não parecia que o tivessem feito, pois continuavam tão magras como antes. Então acordei. Depois tive outro sonho. Vi sete espigas de cereal, cheias e boas, que cresciam num mesmo pé. Depois delas, brotaram outras sete, murchas e mirradas, ressequidas pelo vento leste. As espigas magras engoliram as sete espigas boas. Contei isso aos magos, mas ninguém foi capaz de explicá-lo.

O faraó teve um único sonho”, disse-lhe José. “Deus revelou ao faraó o que ele está para fazer. As sete vacas boas são sete anos, e as sete espigas boas são também sete anos; trata-se de um único sonho. As sete vacas magras e feias que surgiram depois das outras, e as sete espigas mirradas, queimadas pelo vento leste, são sete anos. Serão sete anos de fome”

É possível compreender, pelo exemplo acima, que os egípcios viam os sonhos como mensagens proféticas dos Deuses, dedicando-se a decifrar o recado divino. Já os gregos acreditavam que no sonho a alma vagava enquanto seus corpos estavam adormecidos e o despertar antes do retorno da alma poderia levar à loucura.

Nota-se que os antigos não viam relação dos sonhos com a psique, foi Aristóteles que passou a introduzir essa ideia à humanidade, porém, só foi retomada com cientificidade graças a Freud, no livro “Interpretação dos Sonhos”.

Freud apresenta uma nova visão sobre o ato de sonhar e suas implicações psicológicas. Para ele, os sonhos são sempre manifestação de desejos, e podem ocorrer de três formas:

1) Impressões sensoriais noturnas (ex. você sente sede e sonha que toma água)

2) Restos diurnos (ex. sonhar com partes cotidianas do seu dia)

3) Pulsões do Id (de natureza sexual ou agressiva que foram reprimidas pelo aparelho psíquico)

A descoberta de Freud que os sonhos podem conter ricos conteúdos advindos do inconsciente revolucionou a maneira de se pensar sobre o assunto e trouxe novos pensadores interessados em estudar o tema, como por exemplo seu discípulo C.G. Jung, que concordou com Freud sobre o conteúdo inconsciente dos sonhos, porém discordou da afirmação que “todo sonho é uma manifestação de desejo”.

Para Jung “o sonho é uma tentativa de nos fazer assimilar coisas ainda não digeridas. É uma tentativa de cura” pois a psique sempre trabalha no movimento de curar-se. Sua proposta de interpretação dos sonhos é muito mais complexa, envolvendo três etapas principais:

  1. Uma compreensão clara dos detalhes do sonho
  2. Associações e amplificações em ordem progressiva, considerando os níveis pessoal, cultural e arquetípico
  3. A colocação do sonho no contexto vital de individuação do sonhador

O trabalho de interpretação dos sonhos só é possível mediante a uma relação analítica cuidadosa entre analisando e terapeuta, pois são considerados minuciosos aspectos pessoais e psicológicos do sonhador, que não podem ser generalizados, por exemplo, em um livro de interpretação de símbolos (geralmente vendidos em bancas de jornal)

O conteúdo mais atual e científico produzido em relação aos sonhos, menciona estudos sobre as fases do sono e descobriu-se que a maioria dos sonhos acontece na fase REM (rapid eyes moviments) do sono, uma fase de extrema importância não só para o descanso do corpo mas também para a manutenção psicológica do indivíduo. Nesta fase ocorre um relaxamento muscular de quase todo o corpo e os movimentos oculares rápidos ocorrem em intervalos irregulares. Costuma demorar de 65 a 120 minutos para aparecer em seu primeiro período após adormecer os períodos de sono REM se repetirão a cada 90 minutos e sua duração será progressiva.

As pesquisas sugerem que o nível de ativação dos neurônios reticulares na porção central do cérebro de um indivíduo dormindo e o de um acordado são idênticos, o que demonstra grande atividade cerebral durante o sono, provavelmente por causa do conteúdo dos sonhos.

O sonho é uma experiência de vida, tão real e válida como se estivéssemos acordados e mesmo que nossos sonhos não sejam interpretados, o simples ato de sonhar mostra o movimento da psique de apontar ao ego algum conteúdo inconsciente relevante, como se dissesse a ele “olhe para isso aqui, é importante” e exemplifica bem o que Jung disse sobre a inclinação da psique para buscar a cura.

Portanto, tanto para autoconhecimento tanto para a nossa autocura é importante dar atenção aos nossos sonhos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

PESSOA, Maria Silvia Costa. Elaboração de um método de análise dos sonhos na terapia de casal – um enfoque junguianoPUC-SP, 2011, 239p.

SOARES, Pablo Laffaet Stefanes. A História dos Sonhos e Seus Avanços Científicos. Psicologado. Edição 04/2017. Disponível em < https://psicologado.com.br/neuropsicologia/a-historia-dos-sonhos-e-seus-avancos-cientificos >. Acesso em 22 Mar 2019.

HALL, James A.. Jung e a Interpretação dos Sonhos: Manual de Teoria e Prática. São Paulo: Cultrix, 2007.

MILHORIM, Thaís Kristine; CASARINI, Karin A.; SCORSOLINI-COMIN, Fabio. Os sonhos nas diferentes abordagens psicológicas: apontamentos para a prática psicoterápica. Rev. SPAGESP,  Ribeirão Preto ,  v. 14, n. 1, p. 79-95,   2013 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-29702013000100009&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  22  mar.  2019.