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Por Camila Mazzanti

No artigo anterior discutimos o conceito de mito e hoje abordaremos o grande objeto de estudo de Campbell, o monomito, a jornada do herói. O autor elaborou esses termos ao constatar semelhanças estruturais entre mitos de culturas distintas e de diferentes épocas históricas, portanto chegou a conclusão que a humanidade vem contando e recontando as mesmas histórias.

O monomito de Campbell se relaciona diretamente com a concepção de inconsciente coletivo junguiana, no qual admite uma memória coletiva de toda a humanidade, uma herança psicológica comum. O inconsciente coletivo não contém apenas componentes pessoais, mas também impessoais, os arquétipos.

Os arquétipos são modelos, uma tendência para formar uma imagem de caráter típico, por exemplo, o arquétipo da grande mãe, que carrega em si todas as experiências humanas de mãe que são traduzidas em diferentes imagens (Gaía, Maria de Nazaré, Vênus, …). Resumindo, “se expressam por meio de símbolos que se manifestam nos mitos de todas as tradições culturais, como metáforas de nossa realidade interna mais profunda e essencial.”

O mito do herói é um dos mais conhecidos, deu origem ao arquétipo do herói e todas as suas significações.

O herói é aquele que vive para sua causa, ele se atreve a viver a vida, em vez de fugir dela. Supera o profundo medo diante do estranho, do desconhecido e do novo. Percorre caminhos temidos em outros mundos, galáxias ou até mesmo na escuridão da alma. Ele não se desvia de seu propósito mesmo tendo medo, culpa e advertências, está aberto a aprender, suporta conflitos, frustrações, rejeição e solidão, sua jornada o faz adquirir novos conhecimentos e a realizar ações transformadoras em relação a ele mesmo e ao outro. Todas essas são características fundamentais que a humanidade precisa para enfrentar situações tanto simbólicas quanto reais, é essencialmente um arquétipo, que “nasceu” para suprimir muitas de nossas deficiências psíquicas.

Cada herói assume a face de sua cultura, mas sua jornada é sempre a mesma. Chistopher Vogler estruturou um esquema semelhante à “jornada do herói”, só que mais adequado às narrativas contemporâneas (cinema, TV etc.) ele indica os seguintes passos para a criação de uma história que siga a estrutura da jornada:

1- Mundo comum: O herói é apresentado em seu ambiente costumeiro

2- Chamado da aventura: Algum acontecimento tira o herói do cotidianamente conhecido.

3- Recusa do chamado: É normal qualquer herói sentir medo após ser chamado à aventura. Quando o herói recusa, é necessário que em algum momento surja alguma influência para que ele vença esse medo.

4- Encontro com o mentor: A função do mentor é preparar o herói para enfrentar o desconhecido quando ele atravessar o primeiro limiar. O mentor só pode ir até certo ponto com o herói, a partir do qual o herói deve prosseguir sozinho ao encontro do desconhecido.

5- Travessia do primeiro limiar: O herói se compromete com sua aventura e entra plenamente no mundo especial ao efetuar a travessia do primeiro limiar. Aceita o desafio do chamado à aventura. Este é o momento em que a história decola e a aventura realmente tem início. É o Ponto de Virada (Plot Point do paradigma de Syd Field). A partir desse ponto o herói não tem mais como voltar atrás.

6-  Testes aliados e inimigos: o herói entra no mundo especial, encontra novos desafios, testes, faz aliados e luta contra inimigos.

7- Aproximação da caverna oculta: A caverna oculta é o ponto mais ameaçador do mundo especial. Quando o herói entra nesse lugar temível, ele atravessa o segundo limiar. Aqui o herói chega a fronteira de um lugar perigoso onde está o objeto de sua busca

8- A provação suprema: A provação suprema é o momento crítico nas histórias. O herói enfrenta a possibilidade de morte. Na provação suprema, o herói tem que morrer para renascer em seguida.

9- Renascer: Após sobreviver à morte, derrotar o dragão e salvar a princesa, o herói e o espectador têm motivos para celebrar. O herói, então, pode se apossar do tesouro que veio buscar, sua recompensa. Pode ser uma arma especial, um símbolo como o cálice graal, ou ainda simplesmente o ganho de experiência, sabedoria e/ou reconhecimento.

10- Caminho de volta: O caminho de volta é onde começa o terceiro ato da história. O herói ainda está no mundo especial e corre perigo. As forças do mal se reorganizam e preparam um último ataque, a batalha final.

11- Ressurreição: O herói deve “renascer” e, assim, purificar-se antes de voltar ao mundo comum. Isso até pode ser um segundo momento de vida e morte, ainda mais intenso que a provação suprema. Essa etapa é uma espécie de exame final do herói, para ver se realmente aprendeu as lições. O herói se transforma graças a esse momento de morte e renascimento e, assim, pode voltar à vida comum como um novo ser, mais evoluído, experiente, com um novo entendimento. Se o herói não se limpar de toda sujeira, corrupção, ódio e sangue do mundo especial, ele pode voltar com sérios problemas psicológicos para o mundo comum.

12- Retorno com o elixir: O herói retorna ao mundo comum, mas toda a jornada não tem o menor sentido se ele não trouxer consigo um elixir. Elixir é uma poção mágica com poder de cura. Muitas vezes, o elixir é simplesmente um amor conquistado, liberdade de viver ou a volta para casa com uma boa história para contar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BUCHAUL, Sandra Venâncio Kezen. “Harry Potter e a jornada do herói: receita do sucesso das literaturas de massa”. Disponível em: http://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/enletrarte/article/viewFile/1742/927 Acesso: 28 jun 2019.

CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São Paulo, Editora Cultrix/Pensamento, 1995.

CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.

OLIVEIRA, Luísa de. A jornada do herói na trajetória de Batman. In: Boletim de Psicologia, Vol. 57, n. 127. São Paulo: PUC, 2007.

RINCÓN, Luiz Eduardo. A Jornada do Herói Mitológico. In: II Simpósio de. RPG & Educação. São Paulo: Uninove, 22 à 24/09/2006.

VOGLER, Christopher. A Jornada do Escritor. Rio de Janeiro, Ampersand Editora, 1997.