Por Camila Mazzanti
O tema de hoje abordará um mito de extrema profundidade e não será possível abarcar todas as possibilidades de interpretação neste artigo, pois o leitor perceberá que quanto mais se olha para as facetas deste mito, mais reflexões emergem. O mito de Procusto conta a seguinte história:
Procusto era um assaltante e torturador, que morava entre Atenas e Elêusis. Pela localização de sua moradia ele ofertava hospedagem aos viajantes que por ali passavam. Oferecia-lhes uma cama de ferro com as exatas medidas dele próprio e caso o hóspede fosse menor que a cama ofertada, ele era esticado até atingir a medida exata da cama. Caso o hóspede fosse maior que a cama disponibilizada, Procusto cortava as partes excedentes, geralmente a cabeça e os pés. Teseu acabou ouvindo falar da crueldade de Procusto, foi até sua estalagem e deu-lhe o mesmo fim que ele tantas vezes infligiu aos viajantes.
Este mito nos conta um pouco sobre a intolerância, afinal a medida da cama era a mesma medida de Procusto e se as pessoas não coubessem nela ele as torturava até que coubessem.
Procusto era incapaz de conviver com as diferenças dos outros e impunha “suas medidas” de forma agressiva e cruel. É particularmente simbólico o corte da cabeça (representante físico dos pensamentos, da razão, da inteligência) e dos pés (associados a locomoção, liberdade). O que sugere que Procusto, ao impor suas medidas, tira do outro a capacidade de pensar por si, o que consequentemente tira sua liberdade. Em um nível mais profundo, tira dos outros a capacidade de ser quem se é.
Fazendo associações com o mundo em que vivemos, Procusto seria representado por pessoas (ou instituições) inflexíveis, que impõem sua moral e valores aos outros, sem respeitar suas diferenças. Penso até que podem fazer isso através de maneiras mais sutis, utilizando a manipulação. Mas o objetivo é sempre aniquilar a diferença e fazer com que o outro se adeque aos padrões impostos.
Como exemplo prático, podemos citar os regimes totalitários (nazismo na Alemanha, ditadura militar no Brasil) que impunham seus valores acima de uma população e aniquilavam quem não se adequasse à cama de ferro, cerceando liberdade de pensamento, expressão, de viver e conviver…
Existe uma versão do mito em que Athenas (deusa da justiça e sabedoria) vai tirar satisfação com Procusto e ele se justifica, dizendo que ao utilizar-se de seu leito, fazia justiça em acabar com as diferenças dos homens. É interessante pensar que o raciocínio de Procusto levanta questões entre igualdade e equidade. A igualdade promove o mesmo a todos, mesmo que isso não seja justo, já a equidade leva em consideração as diferenças entre os homens e oferta aquilo que lhes é necessário.

Ainda em outra versão do mito, descobre-se que Procusto na verdade era detentor de duas camas de medidas diferentes e que sempre oferece ao hóspede a cama que ele sabia que não serviria a suas medidas, ou seja, ninguém jamais se enquadraria. A minha interpretação pessoal sobre essa parte é que Procusto projetava nos viajantes a própria incapacidade de encontrar seu eu verdadeiro, estava tão cristalizado em valores e medidas superficiais que jamais se preocupou em olhar para dentro de si e entender quem ele era de fato. Por isso ninguém jamais se encaixaria em suas medidas, pois ele mesmo não as havia encontrado.
As interpretações do mito não se esgotam por aqui, no entanto, já é possível refletir um pouco mais sobre a intolerância com as diferenças e a imaturidade emocional daquela pessoa ou regime que não tolera. Vamos pensar que ao invés de sermos Procustos podemos ser mais abertos ao diálogo, pois assim podemos nos abrir a possibilidade de aprender com o diferente, ao invés de aniquilá-lo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARRA, Thales Andrés. Do mito ao show de realidade: procusto e o Big Brother. J. psicanal., São Paulo , v. 52, n. 96, p. 213-223, jun. 2019 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-58352019000100021&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 18 maio 2020.
Texto do site: https://www.contioutra.com/sindrome-de-procusto-a-negacao-da-ciencia-e-a-relativizacao-de-vidas-humanas/
Texto do site: https://angelanatel.wordpress.com/2016/07/07/mitologia-grega-o-mito-de-procusto-e-a-intolerancia-humana/