
Por Camila Mazzanti
Do ponto de vista desenvolvimentista, o mito pode ser interpretado como um processo de individuação feminina. Psique inicialmente encontra-se em uma condição urobórica, isto é, indissociada e inconsciente de seus processos psíquicos, o que comprova-se pela confusão que a humanidade faz entre Psique e Vênus, entre o humano e o divino, o complexo e o arquétipo.
Após saber de seu cruel destino de casar-se com o monstro, Psique enfrentará “núpcias de morte”, anunciando a ocorrência de um ritual feminino de entrada para a vida adulta. A psicologia feminina matriarcal vê o macho como violador, hostil e portador de morte; morte da virgindade e, portanto, da infância; morte da relação mãe-filha: a experiência de deixar a menina morrer em si para o nascimento da mulher.
Após consumado o casamento, Psique passa a viver uma rotina de encontros noturnos com seu marido, da qual não pode conhecer o rosto. Pode-se dizer que apaixona-se inconscientemente, pois a paixão é arquetípica, e não uma escolha da consciência.
Começam a surgir as angústias de Psique em relação a sua família, um dos primeiros movimentos de sair da condição urobórica e elaborar questões conscientemente. Surgem, na sequência, suas irmãs, com forte e marcante inveja. Neumann sugere tratarem-se dos complexos que compõem os aspectos sombrios de Psique. São elas que a levam a se movimentar e sair do paraíso da inconsciência e questionam as proibições feitas por Eros: por que Psique não pode ver o marido, nem saber quem ele é? Podemos compreender “as irmãs” como complexos autônomos que se constelam, gerando consciência. Se antes a moça vivia uma embriaguez nos braços do marido, necessário se faz, agora, que se empenhe a caminho da amplificação da consciência psíquica (reflexiva) feminina. (RIBEIRO, 2012, p. 35)
A partir do momento em que psique deseja saber quem é o marido ela abandona a inconsciência infantil, o receio e o ódio ao masculino (constituintes da fase urobórica inicial) deixando de ser vítima. Percebe que a paixão se configura como um monstro que subjuga o ser, tal qual o oráculo previra e inicia seu movimento da alma feminina que toma o próprio destino. Eros é colocado agora como um igual.
Psique por não se submeter mais ao marido, decide enfrentá-lo, seguindo o conselho de suas irmãs. Expia a imagem do marido adormecido, dando de cara com o próprio amor. Eros a abandona, e esse movimento de separação é necessário ao desenvolvimento de ambos, pois Eros precisa “humanizar-se”, distanciar-se de seu estado arquetípico e superar seu próprio complexo materno. Psiquê necessita da separação para desenvolver-se em seu processo de individuação.
A primeira tarefa que Psiquê realiza para Afrodite tem exemplificação simbólica do primeiro movimento de sair da condição urobórica onde tudo está indissociado, misturado, como as sementes que ela precisa separar e através de um princípio inconsciente ela consegue selecionar, peneirar, correlacionar, avaliar e, portanto, encontrar seu próprio rumo no meio da confusão.
Os carneiros da segunda tarefa representam o poder do masculino e enfrentá-los seria fatal, portanto o Junco a aconselha a esperar. A solução não é a luta e sim a espera. Aguardar, ter paciência é qualidade do feminino. A própria natureza, o feminino primordial, ensina a paciência através de ciclos, em que tudo vem ao seu tempo.
Na terceira tarefa Psique deve capturar a água de uma fonte na montanha, porém esta montanha é guardada por um terrível dragão. A água, como simbólico do fluxo da vida não pode ser contida pelo ego, pois tamanha energia arquetípica o destruiria. Somente o Self poderia executar a tarefa, portanto a águia de Zeus (representante do Self) finaliza a tarefa para Psique.
Nas três primeiras tarefas Psique teve ajuda do inconsciente, a quarta deverá ser realizada por ela mesma, a consciência. A torre, símbolo da cultura humana, por se tratar de uma construção da humanidade, aconselha Psique no caminho ao mundo inferior, onde buscará a beleza de Perséfone e entregará a Afrodite. Além de ter de trazer aspectos inconscientes de sua sombra ao consciente, caminho que faz parte da individuação, Psique ainda enfrentará o feminino arquetípico central, a grande mãe (Afrodite – Perséfone).
Após retornar do mundo inferior com a beleza de Perséfone, “falha” na tarefa, pegando a beleza para si, dessa forma Psique traí a Grande Mãe e separa-se desta esfera arquetípica, diferencia-se. O ato a faz cair em sono profundo, despertando a atenção de Eros, que ao ver a amada em perigo, sai do castelo da mãe para salvá-la. Ele desafia as ordens de Afrodite, libertando-se do complexo materno e indo de encontro à anima.
A jornada de Psique liberta Eros de seu encarceramento materno, que de menino imaturo, torna-se homem heróico. Apesar de o mito simbolizar o desenvolvimento da psique feminina, não é apenas Psique que se tranforma, sua evolução também transforma Eros.
Psique, por meio de suas provas, alcança sua divinização, individuação (subida ao Olimpo), enquanto Eros, por meio de Psique, humaniza-se e aprende a amar não com os sentidos, mas com a alma.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RIBEIRO, Ana Luisa Silva. EROS E PSIQUE: A AVENTURA PSICOLÓGICA DE VIVER POR AMOR À ALMA. 2012. 98 f. Monografia (Especialização) – Curso de Psicologia Analítica, Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, São Paulo, 2012. Disponível em: <http://sbpa.org.br/portal/wp-content/uploads/2017/01/monografia-Ana_Luisa.pdf>. Acesso em: 19 jul. 2019.
FONSECA, Fabiano Silva da; FERES, Cláudia Mendes. EROS E PSIQUÊ: QUANDO A ALMA É TOCADA PELO AMOR. 2008. 64 f. Monografia (Especialização) – Curso de Psicologia, Faculdade de CiÊncias da EducaÇÃo e SaÚde, Brasília, 2008. Disponível em: <https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/123456789/2695/2/20460497.pdf>. Acesso em: 19 jul. 2019.
APULEIO, L. Metamorfoses, o Asno de Ouro. São Paulo: Cultrix, 1963.
Chérolet, Brenda. Deus Eros; Guia Estudo. Disponível em < https://www.guiaestudo.com.br/deus-eros >. Acesso em 19 de julho de 2019 às 13:58.