Category :

Por Camila Mazzanti

Como já citado em artigos anteriores desta série, os transtornos de personalidade podem ser caracterizados como comportamentos e padrões internos que se desviam acentuadamente das expectativas da cultura. Esses padrões são difusos e inflexíveis e costumam ter início na adolescência ou no começo da idade adulta, levando o indivíduo a prejuízos em todos os âmbitos da vida e a muito sofrimento para si, e para as pessoas que convivem em seu entorno.

São divididos em três categorias (clusters) de acordo com características semelhantes. O cluster A engloba os transtornos Paranóide, Esquizóide e Esquizotípico, considerados como padrões “excêntricos ou incomuns” de funcionamento, principalmente no âmbito social. No cluster B estão os transtornos Antissocial, o Borderline, o Histriônico e o Narcisista, que compartilham características de déficit de empatia e comportamento imprevisível. E por último, no cluster C, encontram-se os Transtornos Obsessivo Compulsivos, os Dependentes e os Esquiva, que apresentam alta ansiedade ou medo na interação social.

Neste artigo abordaremos com mais detalhes o transtorno de personalidade Antissocial, constituinte do grupo B. A essência do transtorno da personalidade antissocial (TPAS) é “um padrão difuso de indiferença e violação dos direitos dos outros. Os acometidos pelo transtorno sentem indiferença pelo sentimento alheio e podem ter comportamentos cruéis, mentirosos, cínicos. Há um grande desprezo por obrigações e normas, impulsividade e baixa tolerância a frustrações.

No início das classificações diagnósticas, o que hoje conhecemos como “TPAS”, era chamado de “Transtorno Sociopático de Personalidade”, o que ainda gera certa confusão. Existem diferentes graus de conduta antissocial variando desde: 1) comportamentos anti-sociais menos prejudiciais, por serem esporádicos e influenciados pelo ambiente; 2) comportamentos anti-sociais mal-adaptativos, demonstrados no TPAS ou em outros Transtornos de Exteriorização; e 3) condutas mais extremas observadas nas psicopatias. Desta maneira, pode ser dado a um indivíduo um diagnóstico de TPAS, sem que esse apresente psicopatia, da mesma forma que um psicopata pode não ter critérios suficientes para o diagnóstico de TPAS.

Para que o diagnóstico seja validado, há necessidade de serem observadas evidências de Transtorno de Conduta (TC), com início antes dos 15 anos de idade. O Transtorno de Conduta (TC) é caracterizado como “um padrão repetitivo e persistente de comportamento no qual são violados os direitos individuais dos outros ou normas ou regras sociais importantes próprias da idade”. Tais comportamentos desadaptativos são agrupados em quatro eixos: 1) agressão a pessoas e animais; 2) destruição de patrimônio; 3) defraudação ou furto; e 4) sérias violações de regras. Ou seja, adultos com transtorno de personalidade antissocial foram crianças e adolescentes com as características desadaptativas do transtorno de conduta.

Podemos utilizar como exemplo o filme “Prenda-me se for capaz” em que o protagonista Frank  (estrelado por Leonardo Di Caprio) apresentava características antissociais já em sua adolescência. Frank não era agressivo, no entanto, mentia com enorme facilidade e desprezava regras e normas escolares sem nenhuma empatia com os colegas e professores, apenas visando seu bem estar. Na escola fingiu durante uma semana ser o professor de francês, sem nada saber sobre a matéria, o que demonstra seu incrível charme, arrogância e talento para manipular em seu próprio favor.

Diferentes autores concordam entre si que Antissociais são pouco responsivos a tratamentos e psicoterapias e reforçam a importância da identificação precoce das características do transtorno de conduta no intuito de tratar o quanto antes e prevenir que estas crianças venham a se tornar adultos antissociais.

Eventos de vida podem favorecer a persistência do comportamento anti-social na adolescência e idade adulta. O ambiente escolar, dependendo de suas características, pode incentivar ou desestimular o comportamento anti-social. Já a falta de emprego é uma situação de estresse que o estimula, enquanto o casamento harmonioso com pessoa sem alterações de comportamento tende a diminuí-lo. Ao mesmo tempo em que crianças com comportamento antisocial tendem a permanecer anti-sociais na idade adulta, adultos anti-sociais tendem a ter filhos com comportamento antisocial (pais servem de modelo aos filhos), estabelecendo-se um ciclo de difícil interrupção.

No caso do filme podemos ver que a dinâmica familiar de Frank favorecia a manifestação do transtorno, que era reforçado principalmente por seu pai, que comportava-se de maneira antissocial. Ao final da trama é perceptível como o ambiente em que o indivíduo está inserido é importante para reforçar ou apaziguar os comportamentos problemáticos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Filme: “Prenda-me se for Capaz”, 2002, Steven Spielberg.

Hirata Soares, Marcos, Estudos sobre transtornos de personalidade Antissocial e Borderline. Acta Paulista de Enfermagem [Internet]. 2010;23(6):852-858. Recuperado de: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=307023868021

Bergamaschi Paziani Costa, Janelise, Iguimar Valerio, Nelson, Transtorno de personalidade anti-social e transtornos por uso de substâncias: caracterização, comorbidades e desafios ao tratamento. Temas em Psicologia [Internet]. 2008;16(1):107-119. Recuperado de: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=513753244010

Bordin Isabel AS, Offord David R. Transtorno da conduta e comportamento anti-social. Rev. Bras. Psiquiatr.  [Internet]. 2000 Dec [cited 2020 Jan 08] ; 22( Suppl 2 ): 12-15. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462000000600004&lng=en.  http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462000000600004.