Por Camila Mazzanti
O termo feminicídio, em sua definição mais simples, significa “o assassinato de mulheres pelo fato de serem mulheres”, mas ao explorar seu significado, encontramos mais complexidade em sua definição. São incorporados à definição contextos ideológicos, sociais, históricos e econômicos fazendo com que o feminicídio não seja apenas o assassinato de uma mulher, mas sim uma denuncia social da contínua violência que a mulher sofre do homem e da sociedade patriarcal que resulta em morte.
A adoção da nomenclatura diferenciada combate antigos paradigmas que normatizam a violência, podemos dar um simples exemplo cultural, o famoso ditado popular “em briga de marido e mulher não se mete a colher” – as pessoas reproduzem com veemência essas palavras a ponto de não ligar para a polícia quando uma mulher grita por socorro.
Além da normatização da violência, convivemos diariamente com a patologização do agressor, que automaticamente ganha uma condição de “doente mental” “psicopata” ou de que “tem algum problema” pois é inconcebível para a sociedade de que uma pessoa comum possa ser passível de cometer violência, e no caso do feminicídio, uma violência que resulta em morte da mulher. É preciso manter em mente que, na maioria das vezes, o agressor é um homem “comum” que convive normalmente em seu cotidiano, não despertando suspeitas de seu comportamento violento em ambiente privado.

O feminicídio é a consequência última da violência de gênero pois resulta em morte. Se a mulher mantinha uma relação com o agressor, o que é muito comum, provavelmente ela já sofreu diversos outros tipos de violências, graduais e que costumam estar interligadas, evoluindo na relação. Será dado neste artigo uma breve explicação de cada uma delas, baseado na lei Maria da Penha nº 11.340
- Violência Psicológica: entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
- Violência Física: entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal
- Violência Sexual: entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos
- Violência Patrimonial: entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades
- Violência Moral: entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
É importante ressaltar que a violência psicológica está agindo conjuntamente com outros tipos de violência em 80% dos casos, e dentro dessa categoria existem diferentes subtipos, como por exemplo o gaslighting, abuso psicológico no qual o abusador distorce e seletivamente omite informações fazendo a vítima duvidar de sua própria memória, percepção e sanidade.
O termo surgiu de uma peça teatral chamada “Gás Light” e na história, todos os dias o marido diminuía o gás da luz, sua mulher notava a diferença de iluminação e perguntava se ele estava notando também, ele negava e dizia que ela era louca. Chega o ponto na peça que os dois estão no completo escuro e ela perde completamente a confiança em sua própria percepção, acreditando nas palavras do marido.
Esse tipo de violência enfraquece a autoestima de vítima contribuindo para que ela permaneça no relacionamento abusivo. É importante que essa mulher não seja julgada pela família e amigos pois, é muito difícil viver esse tipo de situação, julgamentos só vão fazer com que ela se sinta mais envergonhada e que ela deixe de contar suas vivências, se afastando ainda mais das pessoas que ela ama.
É recomendado ter calma e paciência na abordagem com a vitima de violência, ouvindo o que ela tem a dizer e fazendo-a refletir, sem agredi-la ainda mais com frases como “separa logo, se eu fosse você denunciava esse monstro, você é burra de ficar com ele depois de tudo que ele te fez”
Existe toda uma rede especializada de apoio à mulher, disponibilizaremos aqui os links, e também o número 180 – central de atendimento à mulher – serviço gratuito que atende ligações de todo o Brasil e de vários países da Europa. As atendentes do são treinadas para dar informações, receber denúncias e encaminhar para os serviços da Rede de Atendimento.
- Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) compõem a estrutura da Polícia Civil e são encarregadas de realizar ações de prevenção, apuração, investigação e enquadramento legal. Nessas unidades é possível registrar o Boletim de Ocorrência (B.O.) e solicitar medidas protetivas de urgência nos casos de violência doméstica contra a mulher. Segundo dados do Ministério da Justiça, até agosto de 2012 havia 475 Delegacias ou Postos Especializados de Atendimento à Mulher em funcionamento no país.
- Centros de Referência de Atendimento à Mulher (CRAMs) – são espaços de acolhimento e acompanhamento psicológico e social a mulheres em situação de violência, que também fornecem orientação jurídica e encaminhamento para serviços médicos ou casas abrigo.
- Casas Abrigo – oferecem asilo protegido e atendimento integral (psicossocial e jurídico) a mulheres em situação de violência doméstica (acompanhadas ou não dos filhos) sob risco de morte. O período de permanência nesses locais varia de 90 a 180 dias, durante o qual as usuárias deverão reunir as condições necessárias para retomar a vida fora dessas casas de acolhimento provisório.
- Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) – unidades públicas que desenvolvem trabalho social com as famílias, com o objetivo de promover um bom relacionamento familiar, o acesso aos direitos e a melhoria da qualidade de vida.
- Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – órgãos da Justiça ordinária com competência cível e criminal, são responsáveis por processar, julgar e executar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
- Órgãos da Defensoria Pública – prestam assistência jurídica integral e gratuita à população desprovida de recursos para pagar honorários a advogados e os custos de uma solicitação ou defesa em processo judicial/extrajudicial ou de um aconselhamento jurídico.
- Serviços de Saúde Especializados para o Atendimento dos Casos de Violência Contra a Mulher – contam com equipe multidisciplinar (psicólogas/os, assistentes sociais, enfermeiras/os e médicas/os) capacitada para atender os casos de violência doméstica contra a mulher e de violência sexual. Nos casos de violência sexual, as mulheres são encaminhadas para exames e são orientadas sobre a prevenção de DSTs – incluindo HIV – e da gravidez indesejada. Além disso, oferecem abrigo, orientação e encaminhamento para casos de abortamento legal.
Serviços Especializados de Atendimento à Mulher
Referencial Bibliográfico
FERREIRA, Dênia Aparecida Dutra. VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER: A REALIDADE DE UM CRIME SILENCIOSO. 2015. Disponível em: <http://www.uniaraxa.edu.br/ojs/index.php/juridica/article/view/489>. Acesso em: 20 fev. 2019.
GEBRIM, Luciana Maibashi; BORGES, Paulo César Corrêa. Violência de gênero: Tipificar ou não o femicídio/feminicídio?. 2014. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/503037/001011302.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2019.
Gaslightinghttps://www.geledes.org.br/14-sinais-de-que-voce-e-vitima-de-abuso-psicologico-o-gaslighting/
Lei Maria da Penha https://www.cairu.br/biblioteca/arquivos/Direito/lei_maria_penha.pdfhttps://www.cairu.br/biblioteca/arquivos/Direito/lei_maria_penha.pdf
Violência Psicológica https://www.youtube.com/watch?v=E5rrZB7bVWw